sexta-feira, 3 de maio de 2013


Audiência pública sobre a digitalização do rádio na ALESC Santa Catarina

RELATÓRIO DA AUDIÊNCIA PÚBLICA SOBRE RÁDIO DIGITAL EM FLORIANÓPOLIS
29 de abril de 2013

O padrão de rádio digital a ser implantado no Brasil foi tema de uma audiência pública no dia 29 de abril passado na  Assembléia Legislativa de Santa Catarina. A iniciativa do ato foi das rádios comunitárias de Santa Catarina (protagonistas do evento), Rio Grande do Sul e Paraná, todas ligadas ao Movimento Nacional de Rádios Comunitárias (MNRC). Além dos estados do Sul, também estiveram presentes entidades representativas de rádios comunitárias de São Paulo e do Rio de Janeiro, igualmente ligadas ao MNRC. Em razão da relevância do tema, ainda participaram representantes de universidades e de entidades de rádios comerciais. A condução da sessão foi da Comissão de Legislação Participativa através da deputada Angela Albino (PCdoB/SC).

No início da audiência a palavra foi dada aos diversos atores envolvidos no processo de digitalização de rádio no Brasil presentes no ato: o Movimento Nacional de Rádios Comunitárias, o Ministério das Comunicações (através do representante do Ministério no Conselho Consultivo do Rádio Digital, Octavio Pieranti), a Anatel, representantes das rádios comerciais,  e os dois sistemas interessados em vender os produtos que envolvem a implantação da nova tecnologia – o norte-americano (Iboc ou HD Radio) e o europeu (DRM). 

A título de esclarecimento, existe um Conselho Consultivo do Rádio Digital, criado no ano passado, que reúne representantes de vários setores como governo, radiodifusores comunitários e comerciais, pesquisadores e fabricantes. Esse conselho tem se reunido com certa regularidade para estudar o processo de digitalização do rádio. Claro que existem interesses divergentes no conselho, como por exemplo, a extrema pressa das rádios comerciais em implantar o sistema embora se observe nítido prejuízo para as rádios comunitárias na cobertura do sinal digital conforme mostraram os testes feitos até agora.

Após a explanação dos representantes das entidades e dos sistemas HD e DRM, a palavra foi franqueada aos presentes para esclarecimentos e manifestações sobre o processo de digitalização em curso no Brasil.

O professor da disciplina de Radiojornalismo do curso de Jornalismo da UFSC, Eduardo Meditsch, com doutorado em rádio pela UNL/ Portugal e pós-doutorado em rádio na University of Texas at Austin dos Estados Unidos, usou a palavra relatando a decadência ocorrida em relação à digitalização na Europa e Estados Unidos, contestando afirmações feitas pelos dois padrões em suas falas sobre o avanço dos sistemas nos dois continentes. Segundo o professor, em Portugal ninguém mais usa o sistema digital e nos Estados Unidos, só no ano passado mais de 50 rádios voltaram a operar no sistema analógico.  “Morei um ano nos Estados Unidos e presenciei isso. As pessoas não conhecem os receptores digitais e as rádios estão voltando ao padrão analógico. Para mim, o sistema digital já nasceu obsoleto”, falou o professor. Ou seja, mais uma vez estariam querendo vender para o Brasil uma tecnologia em decadência nos países desenvolvidos como ocorreu com as usinas nucleares de Angra dos Reis no passado?

Foi questionado também o fato de na apresentação das empresas não ter sido esclarecido se serão contempladas as OMS a medida que essas são as únicas que cobrem a totalidade do território nacional, e a única que pode mobilizar o território nacional ao mesmo tempo em caso de catástrofe ou segurança nacional.

Outro questionamento feito foi em relação ao acesso das rádios comunitárias aos equipamentos para operar o sistema digital, pois será necessário trocar transmissores, mesas, etc. e tudo com custo alto, segundo palavras de representante de entidade do setor comercial presente na audiência. Sem um programa de financiamento acessível para as comunitárias, a digitalização decretará o fechamento das rádios comunitárias pela impossibilidade financeira de arcar com os custos da mudança.

Igualmente foi perguntado sobre o custo que os receptores digitais teriam para a população.  Pois com certeza eles serão bem mais caros que um receptor analógico comprado hoje até por R$ 10,00.  

Uma questão técnica indagada fez menção ao espaço utilizado para transmissões em sistema digital. O novo sistema vai ocupar o dobro do utilizado hoje. Ou seja, não há lugar para todas as rádios hoje existentes (FM, AM, OM, OC...). Ainda mais que o governo vai propor, em novo projeto de lei, a migração das AMs para FM. Quem vai ficar de fora? Quem não conseguir comprar os equipamentos?

Também foi colocada a necessidade de se fazer testes, com os dois padrões interessados, em muitas rádios comunitárias. Pois o que foi feito, em Brasília, revelou ser impossível aceitar a digitalização para as comunitárias. Mesmo num ambiente plano como o do Planalto Central do Distrito Federal o sinal mal chega a um ou dois quilômetros. Imagine-se como seria numa região de morros ou com obstáculos de edifícios... Não vai pegar nada com certeza.

Outra questão levantada é que o teste feito em Brasília teve como potência de transmissão 0,25 watts. Isto é inaceitável. Pois a lei garante para as rádios comunitárias uma potência de 25 watts. Ou seja, as rádios comunitárias não podem aceitar testes de qualquer padrão que utilize um transmissor digital abaixo de 25 watts. Ou estaria o Ministério das Comunicações com a digitalização decretando o fim das rádios comunitárias que conseguirem comprar os equipamentos (!) pela incapacidade de serem sintonizadas além de poucas quadras donde estão instaladas?

A audiência se encerrou com respostas pouco convincentes por parte dos indagados sobre os questionamentos propostos. E mais uma vez o Movimento Nacional de Rádios Comunitárias (MNRC) deixou claro que antes de qualquer medida na linha da digitalização é necessário que se garanta a aprovação de um novo marco regulatório para as comunicações que dê conta das reivindicações públicas e comunitárias, como já foi feito em outros países da América Latina.   

Além dos questionamentos específicos sobre a digitalização, a audiência também se constituiu em grande ato político em defesa da democratização da comunicação. Pois da forma como está se processando a digitalização, ela se constitui num meio excludente de participação popular na comunicação, quer pelos altos custos dos equipamentos, quer pelas limitações de irradiação do sinal. E conclamou-se a todos que se engajem na conquista de 1 milhão e 300 mil assinaturas necessárias para se entrar com Projeto de Lei de Iniciativa Popular para regulamentar  os artigos 220 a 224, do Cap. V da Constituição Federal, para regulamentar as comunicações no Brasil.

Diante de tudo isso e frente à inércia do Ministério das Comunicações em tomar medidas necessárias para consolidar e dar sustentabilidade às rádios comunitárias, também na audiência, foi pedido pelos presentes, a saída do ministro das comunicações do cargo, com as palavras de ordem : “Fora Paulo Bernardo, Paulo Bernardo fora. Fora Paulo Bernardo que já chegou a tua hora”.

Florianópolis (SC), 29 de abril de 2013

Luis Dzulinski
Movimento Nacional de Rádios Comunitárias (MNRC)
Coordenador das Microrregionais da Abraço-PR

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